quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Da Percepção da Incongruência

"Numa experiência psicológica que merece ser melhor conhecida fora de seu campo original, Bruner e Postman pediram a sujeitos experimentais para que identificassem uma série de cartas de baralho, após serem expostos a elas durante períodos curtos e experimentalmente controlados. Muitas das cartas eram normais, mas algumas tinham sido modificadas, como, por exemplo, um seis de espadas vermelho e um quatro de copas preto. Cada sequência experimental consistia em mostrar uma única carta a uma única pessoa, numa série de apresentações cuja duração crescia gradualmente. Depois de cada apresentação, perguntava-se a cada participante o que ele vira. A sequência terminava após duas identificações corretas sucessivas.

Mesmo nas exposições mais breves muito indivíduos identificavam a maioria das cartas. Depois de um pequeno acréscimo no tempo de exposição, todos os entrevistados identificaram todas as cartas. No caso das cartas normais, essas identificações eram geralmente corretas, mas as cartas anômalas eram quase sempre identificadas como normais, sem hesitação ou perplexidade aparentes. Por exemplo, o quatro de copas preto era tomado pelo quatro de espadas ou de copas. Sem qualquer consciência da anomalia, ele era imediatamente adaptado a uma das categorias conceituais preparadas pela experiência prévia. Não gostaríamos nem mesmo de dizer que os entrevistados viam algo diferente daquilo que identificavam. Com uma exposição maior das cartas anômalas, os entrevistados começaram então a hesitar e a demonstrar consciência da anomalia. Por exemplo, frente ao seis de espadas vermelho, alguns disseram: isto é um seis de espadas, mas há algo de errado com ele — o preto tem um contorno vermelho. Uma exposição um pouco maior deu margem a hesitações e confusões ainda maiores até que, finalmente, algumas vezes de modo repentino, a maioria dos entrevistados passou a fazer a identificação correta sem hesitação. Além disso, depois de repetir a exposição com duas ou três cartas anômalas, já não tinham dificuldade com as restantes.

Contudo, alguns entrevistados não foram capazes de realizar a adaptação de suas categorias que era necessária. Mesmo com um tempo médio de exposição quarenta vezes superior ao que era necessário para reconhecer as cartas normais com exatidão, mais de dez por cento das cartas anômalas não foram identificadas corretamente. Os entrevistados que fracassaram nessas condições experimentavam muitas vezes uma grande aflição. Um deles exclamou: 'não posso fazer a distinção, seja lá qual for. Desta vez nem parecia ser uma carta. Já não sei sua cor, nem se se é de espadas ou de copas. Não estou seguro nem mesmo a respeito do que é uma carta de copas. Meu deus!'."


do capítulo 5 de A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas S. Kuhn
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