quinta-feira, 17 de junho de 2010

Notas do "Ensaio sobre a Origem das Línguas"

Lourival Gomes Machado, que fez notas para o Ensaio sobre a Origem das Línguas, de Jean-Jacques Rousseau, a certa altura, nos deixa de sobreaviso sobre a tolice do filósofo francês. Na edição de Os Pensadores (1999), na nota 3, página 263, ela diz: "Concluindo anteriores desenvolvimentos, aqui se rejeita em definitivo qualquer explicação meramente fisiológica da comunicação pela linguagem. Assim se afirma a origem social da linguagem, tal como hoje a aceitam a psicologia e a sociologia atuais. Embora se sigam, na passagem, alguns equívocos de ordem zoológica, não chegam eles a invalidar a afirmação básica — "a língua de convenção só pertence ao homem". Antes que eu siga em frente, considere essa última frase e a ideia de que os homens começam a falar porque estão em sociedade, sem necessidade da língua se não há convívio. Considere.

Leve quanto tempo precisar, que não vou tratar disso hoje. Quero reparar um engano do comentador. Quando ela diz que Rousseau comete "alguns equívocos de ordem zoológica", ela se refere a esse trecho:
"Parece, ainda, pelas mesmas observações, que a invenção da arte de comunicar nossas ideias depende menos dos órgãos que nos servem para tal comunicação do que de uma faculdade própria do homem, que o faz empregar seus órgãos com o mesmo fim. Dai ao homem  uma organização tão grosseira quanto possais imaginar: induvitavelmente, adquirirá menos ideias, mas, desde que haja entre ele e seus semelhantes qualquer meio de comunicação pelo qual um possa agir e o outro sentir, acabarão afinal por comunicar todas as ideias que possuem.
"Os animais dispõem, para essa comunicação, de uma organização mais do que suficiente e jamais qualquer deles utilizou-a. Com o que, segundo me parece, se firma uma diferença muito característica. Aqueles animais que trabalham e vivem em comum, como os castores, as formigas e as abelhas, possuem — não duvido — alguma língua natural para se comunicarem entre si. Há mesmo razão para crer-se que a língua dos castores e a das formigas se compõem de gestos, falando somente aos olhos. De qualquer modo, justamente por serem naturais, tanto uma quanto outra dessas línguas não são adquiridas: os animais, que as falam, já as possuem ao nascer; todos as têm e em todos os lugares são as mesmas, absolutamente não as mudam e nelas não conhecem nenhum progresso. A língua de convenção só pertence ao homem e esta é a razão porque o homem progride, seja para o bem ou para o mal, e porque os animais não conseguem. Essa distinção, por si só, pode levar-nos longe." (Ensaio sobre a Origem das Línguas, Capítulo I; grifo nosso)
Certo, frente a isso, qual é o equívoco zoológico de Rousseau? Pesquisando, é possível saber que as abelhas, que foram citadas pelo filósofo, de fato possuem um esquema de comunicação muito elaborado, que se dá através de uma dança. Quanto às formigas, também citadas, há um vídeo interessante sobre gestos e comportamento que expressam sentido para elas: certa formiga, infectada por um fungo que poderia destruir a colônia, é afastada antes do parasita se desenvolver, é afastada para a morte no isolamento. As cenas que seguem podem lembrar Alien:


Assustador. Bom, além desses, existem as pesquisas sobre chimpanzés, sobre seu aprendizado da nossa linguagem e construção de conhecimento, e também sobre seu meio próprio de comunicar sentido. Encontra-se também pelo menos duas pesquisas (aqui e aqui) sobre a linguagem dos golfinhos. O paralelo rousseauniano vai na direção certa. Nessa última matéria sobre os macacos, repare nesse trecho:
"Será que grandes primatas e macacos têm uma linguagem secreta que ainda não foi decifrada? E se for o caso, será que isso vai resolver o mistério de como a faculdade humana da linguagem evoluiu? Biólogos abordam o assunto de duas maneiras: tentando ensinar linguagens humanas a chimpanzés e outras espécies, e escutando animais na vida selvagem. A primeira estratégia foi impulsionada pelo desejo intenso das pessoas - talvez reforçado pela exposição infantil a animais falantes em desenhos animados - de se comunicar com outras espécies. Os cientistas dedicaram imenso esforço para ensinar a linguagem a chimpanzés, seja na forma de sons ou de sinais." [leia completo]
Pois é, mas o que é posto como um avanço imprevisto da ciência, na verdade já existia; aqui o que se esquece é uma tradição anterior que já tinha se colocado essas questões. Há outros comentários a serem feitos sobre detalhes desse livro, mas vou postar depois.
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